Letramento ou escolarização? Escola e Projeto de Sociedade

Qual o melhor projeto de educação bem sucedido para o povo indígena? Para esta resposta foram apresentados três eixos de discussão para se obter a melhor forma de aprendizado: o interculturalismo crítico, o letramento e a autonomia. 

O primeiro nos mostra o crescente número de indígenas nas escolas, no Ensino Superior, entre outros. Mas com que qualidade isso vem se dando? Porque esse processo não é totalmente confiável, pois, a dificuldade de reconhecimento e regularização, desorganização políticas, má distribuição de material didático, etc.

Segundo Tubino(2004) a interculturalidade é uma democracia, uma maneira de se comportar, uma proposta ética. Portanto, não basta o reconhecimento e sim ação econômica e política para melhorar as propostas ético-políticas e educativas. Mas se queremos uma escola intercultural, de qual escola estamos falando? A funcional ignora a pobreza e troca pela cultura, ignorando a importância que existe para compreender as relações interculturais. Já a crítica busca o reconhecimento de uma política cultural de diferença aliada à política social de igualdade.

Já o segundo eixo nos mostra o letramento, um processo que nos ajuda a compreender o eixo social da escola do indivíduo, ou seja, um conjunto de práticas sociais e culturais, o indivíduo não precisa ter um conhecimento escolar, mas é letrado em alguma área de conhecimento, ex.: parteira. Mas como ignorar esse processo de vida escolar? Isto dependerá de políticas culturais de planejamento. 
E por fim e não menos importante a autonomia como critério, que enquanto a escola não indígena tem uma prática pedagógica contraditória e multifacetada, a indígena também sofre com essa escola reprodutiva, e para que isso não ocorra o ensino precisa deverá se inserir num projeto educativo com a comunidade, recolocando seus valores culturais e tradicionais e não apenas uma dominação cultural. Mas para que funcione precisamos saber de algumas questões  como a língua que se ministra o ensino, quem constrói esse currículo, qual o envolvimento do professor indígena. Podemos dizer que a autonomia é também intercultural crítica na medida em que assume  o desnível político, econômico, entre outros.

Conclui-se que não existe uma forma correta de tipos de ensino e aprendizagem e sim aquela que liberta perante o sistema de ensino, que determina sua padronização reprodutora. E também o grau de envolvimento de professores indígenas nos processos de escolarização para obter a autonomia que tanto nós almejamos, indígenas e não-indígenas.


(Sabrina Braile, é estudante de Pedagogia da UniCarioca/Jpa)

QUAL A ESCOLA INDÍGENA ALMEJAMOS NO SÉCULO XXI?


            Atualmente as chamadas escolas indígenas de todo o Brasil estão vivenciando um momento distinto de sua trajetória histórica enquanto instituição, um momento ímpar no qual ocorre uma aproximação da instituição escola com os índios.

            Quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500, dando início ao processo de colonização de nossas terras, a visão sobre educação era extremamente eurocêntrica, assim pensava-se que a escola monopolizava a questão educacional, sendo a única instituição em sociedade a propagar o saber.  Nesta escola, a figura do profissional qualificado (o professor), de caráter especializado era unívoca; como método a disciplina rígida, que por muitas vezes apropriava-se de castigos físicos.

            Esta visão de “educação”, esta visão de “escola” chocava-se estrondosamente com a visão indígena de educação, no qual o processo educacional está centrado em diversos agentes (a tribo é o centro educacional), baseia-se na tradição oral, na ação e no exemplo (“todos são professores, todos são alunos”).

            Assim, para os europeus os índios não possuíam um processo de educação formal.

            Durante todo o Brasil Colônia, Brasil Império e a quase totalidade do Brasil República, as escolas fundadas pelo poder público brasileiro “serviam” para destruir as identidades indígenas.  Ainda em uma visão extremamente eurocêntrica acreditava-se que os índios “não possuíam cultura” e deveriam absorver a cultura (europeia) através do saber institucionalizado.  Destaca-se neste sentido, a ação durante o Brasil Colônia dos padres jesuítas, que fundaram as primeiras escolas no Brasil e tinham como objetivo principal catequizar as populações indígenas durante o processo de Contra Reforma Católica.

            Somente com a Constituição de 1988, em seu Art. 210, permite que os índios trabalhem os seus próprios processos de aprendizagem (até então a Fundação Nacional do Índio - FUNAI - mantinha professores não índios nas escolas das tribos indígenas). Neste sentido, em 1991, a educação indígena passa a ficar a cargo do Ministério da Educação – MEC - (e não mais da FUNAI), e assim passam a se estabelecer parcerias com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação para a concretização de uma “nova” educação indígena.

            Neste ensejo, em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em seus Art. 32, 78 e 79, passam a caracterizar as escolas indígenas em outro sentido; passam estas escolas a serem bilíngües e possuir o direito e o dever de construir o seu Projeto Político Pedagógico (PPP). E ainda em 2002, o MEC cria os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) das escolas indígenas.

            No Estado do Rio de Janeiro em 2003 as escolas indígenas foram reconhecidas pela Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC), criando assim um setor para gerenciá-las. Existem no Estado do Rio de Janeiro escolas indígenas em Angra dos Reis e Parati, no sul do estado.  Tivemos a oportunidade de conhecer a Escola Indígena Estadual Guarani Kuery Renda em Angra dos Reis (Aldeia Sapukai) que no momento atual possui um trabalho focado na criação de uma “nova” escola utilizando-se dos seguintes critérios / ações:

*a escola não é uma ameaça às tradições da tribo, e sim uma forma de afirmação identitária;
*é uma forma de resistência cultural;
*a escola não deve tornar-se um “gueto” dos índios guarani mbyá;
*a escola deve trabalhar a cultura indígena (como forma de desenvolver a identidade dos mbyás) e também trabalhar a cultura juruá – a cultura dos brancos – para não serem ludibriados;
*e como principal tarefa a escola possui a vertente de trabalhar a relação de ensino / aprendizagem não no sentido de “tornar o outro parecido comigo”, mas relacionar-se com o entorno cultural diversificado.     

             

(Michael Carneiro, é Tutor do Consórcio Uerj / Cederj e Professor da UniCarioca)

Visita à Aldeia Sapukai




























A Sabedoria Indígena – Uma Sabedoria Sagrada


Estamos no início do século XIV quando chegam os portugueses ao litoral brasileiro. Começa a contagem regressiva para a extinção da forma como era praticada a educação indígena nesta nova terra, sendo os processo de aprendizagem das comunidades aqui existentes, desqualificados pelo colonizador.

Durante quase cinco séculos, todo e qualquer processo de educação indígena, foi expurgado de suas comunidades.
Vamos encontrar o início de uma reformulação, por volta de 1962, com o antropólogo Lévi Strauss, que descobriu em várias etnias, um conceito de visão do mundo e de filosofia.

O conhecimento dos processos de aprendizagem dos povos indígenas foi verificado em duas fontes: a tradição oral, que até hoje faz parte de algumas culturas e os relatos escritos, pelos missionários, que testemunharam a forma e conteúdo da educação destes povos.
Por volta de 1964, o sociólogo Florestan Fernandes publicou um artigo demonstrando a existência de um discurso pedagógico dos índios, comprovando que eram capazes de criar saberes.
Como exemplo, temos a educação Tupinanbá, que possuía três pilares de valores:
- O valor da tradição oral – espécie de arquivo falado dos saberes de uma comunidade passados oralmente de geração a geração;
- O valor da ação – envolvimento dos adultos, crianças e adolescentes nas atividades diárias, criando o “aprender fazendo”;
- O valor do exemplo - dado pelos adultos mais velhos, cujo comportamento deveria refletir suas tradições.
Não havia, nestas tradições, a figura de um especialista, o professor, pois este papel cabia a qualquer indivíduo da tribo, onde “todos educam todos”.

Voltando ao século XVI, veremos que o princípio pedagógico indígena mais criticado pela sociedade colonizadora foi a falta de castigo para os filhos. Na educação tribal, não havia esta idéia. Enquanto isto, na pedagogia européia, utilizava-se do rigor, disciplina e palmatória para educar as crianças. Assim, a ausência de castigo, foi vista como omissão e atraso, não havendo meios de correção dos “erros”. A sociedade européia considerava a sociedade indígena com falta de práticas educativas, uma vez que não encontraram qualquer sistema idêntico aos seus, considerados “universais”.
Com isto, os índios precisavam ser “civilizados”.

O início da extinção da forma de aprendizagem indígena começou com os jesuítas, que ministravam a educação européia sem qualquer respeito ou tolerância com a cultura local. Nos séculos: XIX e XX, tanto no Império como na República, onde o objetivo era eliminar as diferenças, despojaram as etnias de suas línguas, culturas, religiões, tradições e saberes. Era a continuidade do padrão educacional imposto pelos colonizadores.

Mesmo com a LDB (Leis de Diretrizes Básicas da Educação), as Leis 4.024/61 e 5.692/71, consolidam, em relação aos índios, as políticas educacionais de um passado de imposição educacional e desconsideração ao conhecimento tribal.

Somente a partir da Constituição de 1988, é criado o capítulo “Dos Índios”, com determinações de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições destas etnias. Na LDB, com a Lei 9.354/96, foi garantido o uso da língua materna e dos processos próprios de aprendizagem, implicando na formação de professores (índios), material didático, currículos específicos e diferenciados, bem como, alfabetização em língua materna. A língua portuguesa torna-se a segunda língua destes povos.
Finalmente, a LDB com a Lei 10.172/01, implementa programas contínuos de formação de professores e a profissionalização do magistério indígena.

Com base no Censo Escolar de 1999, o país possuía 1.400 escolas indígenas, com mais de 93.000 alunos e 4.000 professores, dos quais, mais de 3.000 são índios.

Muita coisa ainda deverá ser revista, uma vez que toda a distribuição das diretrizes para educação, conforme o PNE (Plano Nacional de Educação) processa suas metas de forma desigual em relação à educação indígena.

Caberá agora, aos próprios índios, com seu avanço e acesso na política e na sociedade geral e com ajuda de seus aliados, tirarem do papel, definitivamente, as políticas públicas de educação escolar para a sociedade indígena.


Jussara Carvalho

Guarani

   No centro da Aldeia dançam todos,
   dançam pra branco ver,
   a TV canadense filma,
   querem gravar um CD.

   Torcem pro Paraguai na Copa,
   que assistem pela antena solar,
   e jogam futebol alegremente
   como marotos
   garotos na pelada.

   O pastor subiu a Aldeia com um caminhão de
   cestas básicas.
   As crianças cantaram músicas de louvor
   ensinadas pelos missionários.
   Ao final entraram em sua casa de reza e iniciaram
   seus cantos na língua mãe.
   Não se convertem,
   se preservam,
   comem as cestas
   e agradecem.

   Caçoam dos brancos
   que oferecem comida
   torcendo pra que não se aceite.
   E dividem seu alimento sem oferecer.

   Há uma nostalgia no olhar guarani que encanta.
   Há uma alegria juvenil permanente no convívio.

   Aparentam em muitas coisas
   serem parecidos conosco.
   Mas como são diferentes
   em sua infinita
   e distinta sabedoria...
   Nobre

Fonte: http://www.baraoemfoco.com.br/historia/sapukai/sapukai.html